sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Olhos viciados

Te vi oito vezes hoje...
Uma vez em um ônibus que ia para o Rio de Janeiro, uma vez do outro lado da rua, duas no meio da multidão... Em uma das vezes você era uma mulher sentada de costas para o meu mundo. Em outra você caminhava com mais duas pessoas, gesticulava muito. Eu sorri.
Também vi o seu cabelo diversas vezes hoje: aquelas milhares de tocas para aqueles animaizinhos reclusos e ariscos que foram os seus pensamentos, todos escondidos de mim, com seus olhos brilhando na segurança de suas tocas.
Vi a cor da sua pele em relances de excitação e pavor... em braços que sentavam ao meu lado no transporte público, em mãos que acenavam para outras direções, em nucas mais costas que nunca.
Vi o seu jeito de andar para longe. Vi andares que fugiam como seus olhos, com o andar que eu conheço como seu, nesse aspecto, parecido com o meu.
Ou vi um riso seu? Dali! Não... dali! Um riso gostoso e engraçado. Fez-me ver meu riso algumas vezes hoje, depois não vi mais nada.
olhei tantas vezes com olhos de te ver que no final dessa noite só quero olhar para o chão, onde sei que não posso te encontrar. Já não há nenhuma ansiedade em mim.
É quando vem mais reprovável e violento o seu crime, de tomar de assalto os alteares da minha cabeça com suas armas de fogo, estuprar minhas solidões e especialidades, assassinar meus interesses, roubar meu tempo. Toma posse deste chão de fios de cabelo e me converte em mendigo no reino que ainda é meu.
E eu, meu próprio traidor, teu inimigo e protetor aqui dentro. Envenenoa sua comida e como-a antes que comece a salivar. Intercepto os tiros da minha própria mira...
É uma nebulosa e covarde e traiçoeira vontade de simplesmente ver rondar outra sombra que não a minha. É o mais simples e puro e desesperado medo de voltar a viver sozinho no meu peito.
E eu sei que se tivesse te visto hoje ao menos uma vez, não teria te reconhecido, nem teus cabelos, nem teu andar, nem a cor da tua pele, nem teu riso. Não saberia quem é você.
Somos irremediáveis desconhecidos.
Lembrodo teu gozo, dos teus quadris e pêlos, mas nãolembro de você.
Eu, injustamente, te inventei para ser a ponte entre minha imaginação e esse mundo de ervilhas, cenouras e batatas...
Mas isso não importa para irremediáveis desconhecidos.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

coisalgumadenadanão

E lá vai Deus.
Estamos sós.

Aqui, apenas sua casa abandonada.

Sempre a mesma luz azul e cinza. não há móveis além de uma cadeira no centro da velha casa.

Estou sentado nela desde que cheguei. Os olhos procuram entre os pontinhos de poeira, brilhando sob a luz fria que entra pela parte desmoronada do teto. Brilham fragmentos de teias de aranha abandonadas.

E a sala é tão ampla...
Corre um vento de saudade que entra com a luz fria.

Não há portas nem janelas.
Além de mim, da cadeira e da poeira, um chafariz.

Não dá mais o seu show, guarda apenas uma água suja e podre, parada desde a eternidade. Revestindo suas paredes de pedra trincada, uma trepadeira morta. Os galhos secos se emaranham em uma foto imutável.

Eu, sentado na cadeira, mãos nos joelhos, coluna ereta, ansioso. Procurando por algo perdido. Na esperança de algo que não vem.

coisalgumadenada

Abaixo a música um pouco para que ela não fale muito mais alto que meus pensamentos.
Meus pensamentos andam falando meio baixo. Qualquer coisa aqui dentro que antes gritava o cansaço finalmente cansou.
Não tem vontade de nada.
Não tem saudade de nada. Tudo que passou não é mais, é outro.

Apenas esse arrepio frio na pele, uma ardência que toma o rosto e chega aos olhos, carregando as nuvens sob as sobrancelhas.
Sem chuva.
Sem tempestade.
Apenas um sorriso nublado.

Todo amor encontra sua própria solidão.
Meu coração já se cansou de falsidade.
Faço minhas as suas palavras. São minhas essas notas. Um som tirado das cordas aqui do peito.

Tristeza que vem de onde. Vai para lugar nenhum. Fica aqui empoçada nas minhas ruas.

Olhei agora ao redor e nada se moveu.

...