terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Sobre o que é novo

Ano novo chegando, alma nova envelhecendo, sonhos velhos morimbundando.
Ano velho morrendo e eu querendo costurar o cadáver no recém-nascido com a mesma linha que enforcou o morto.
Estou é querendo me enforcar nela também, gastar logo todas as 2010 vidas reservadas até 31 de dezembro. Então, abrir os olhos junto com o novo ano. Gêmeos, parto duplo, fórceps, cesária... normal nunca!
Eu quero um primeiro suspiro dos ventos dos primeiros tempos, quero de novo os meus primeiros tempos.
Alma nova envelhecida recém-nascida, sonhos velhos morimbundando vítimas do milagre da cura! Aleluia! Ansiedade pelas 2011 novas vidas a viver. Ansiedade pelas 2011 novas mortes a viver também.
Linha que nada! Eu quero é a agulha! Apenas a agulha... Que a velha agulha abra caminho às novas linhas, que existam sempre alfaiates aptos a refazer bainhas e que as calças acabem sempre pescando enquanto não for suficiente simplesmente estar nu.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Vende-se

Aluga-se:
Imóvel de dois pavimentos em perfeitas condições! Construído em 30/01/1990, aproximadamente um punho fechado de área total. Ótima localização, avarandado e com amplas janelas, pintura nova e espaçoso, bom encanamento nas duas suítes, jardim e estacionamento, vista para todo o infinito privado, segurança 24h/dia............... (Alguns fantasmas).

Ando cansado de viver de aluguel.
Ando cansado de cobrar aluguel atrasado e de perdoar atrasos.
Ando me endividando pela fé no dia do pagamento do aluguel.

"Vende-se"

Pintei o fundo de preto, as letras de vermelho, o hífen de branco.
Ficou bonita: os cantos bem lixados, a caligrafia bem ajustada, a frase bem centralizada.
Há duas semanas, sem aviso ao inquilino, finquei a estaca da placa no chão, em frente ao portão. Perfurei qualquer encanamento e o solo transbordou, enxarcando toda a entrada. Em menos de três dias, o inquilino havia pago todos os aluguéis atrasados, falou em renovar contrato e até adiantar alguns meses.

No mês seguinte, me atendeu sem o dinheiro em mãos.
No seguinte, me atendeu sem dinheiro em lugar algum.
No seguinte,não me atendeu.
No mês seguinte, soltou os cachorros.
No seguinte, matou meus cachorros.

A pintura nova das janelas está descascando, a das paredes está cheia de umidade. Os vitrais coloridos do segundo andar estão despedaçados. O jardim foi tomado pelo lixo e pelo mato. Parte do telhado desmoronou e há cheiro de fumaça e pó. Tudo range e estala e trinca.

Minhas mãos colaram às barras de prata do portão trancado de minha própria propriedade.
Em alguns dias chove; em outros, não percebo que chove.
Quando vejo um vulto nas janelas, o céu se abre lá no alto e faz aparecer o sol, que brilha e faz tudo lampejar. Por dois segundos tudo é constituído de felicidade até que o sol vai despencando lá de cima, caindo e caindo, despencando em minha direção, caindo sobre mim, explodindo na minha cabeça e transformando em cinzas minha vontade.

Ando querendo despejar o atual inquilino.
Ando querendo parar com os investimentos em imóveis.
Ando desejando um terreno baldio no peito.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Na Fogueira

E eu vou fingir que a luz da lua na pele enfeia, que a luz do fogo na pele é gelo. Que os peitos direitos me olhando assim são o estrabismo de uma alma a usar o corpo como óculos. Vou fingir que as divinas fronteiras em que o corpo faz divisa com todo o resto do mundo são terremotos aposentados, que meu tremor é frio, que meu tremor é doença. Meu tremor é terminal e fatal. E eu vou fingir que os movimentos de mãos assim são alívio das moscas. Só. Alívio das moscas... só... Os movimentos das mãos... alívio das moscas... Que a fantasia de sonho é boba, como a bochecha, como os fios de cabelo, como a bunda, como os mamilos, como as costas, como o pescoço e a orelha, como os lábios e a língua. Que é bobo se fantasiar assim! Eu não suporto! Os olhos direitos choram por gostar demais, os esquerdos, por não suportar mais! E, no entanto, todos eles choram.
Os dentes choram ao fingir. A voz queimando o ar, envenenando os ouvidos com a tranquilidade da indiferença, me alcoolizando, meus olhos vomitando.
O seu doce pássaro pousando em todos os ombros e cantando músicas aos ouvidos mais nojentos. Todos fingindo.
Eu vou fugir.
Me refugiar nas proximidades dos domínios do seu fingimento.