quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Coito Poético na Concha

Escrever é como se sentir nu, com o corpo entregue a um desejo fulminante de pertencer. E, pertencendo, sou eu o objeto da escrita e não o contrário. É ela quem me cria, não sou eu o criador.
Me vejo ameaçado pelo papel, mas meu desejo é chamado pelas palavras do meu eu guardado.
O papel que me ameaça é também o cofre de mim mesmo, e a ponta da caneta é o segredo capaz de revelar-me, de soltar os vários eus que consomem meu corpo.
Escrever, ao mesmo tempo, é como trancar-se, prender-se no papel e abandonar ao vento uma parte de si.É também pertencer, é ser, conhecer a si mesmo através das palavras extraídas do seu eu inconsciente.
Talvez, então, a folha de papel não seja mais do que um espelho que ora se parte e quebra me expondo como realmente sou: fragmentos, cacos.
E apesar de todas as minhas urgências no final do papel ou da minha vidinha, eu sou nada.


Luiz e Regina

Acasalamento Poético na Concha

Os corpos se desnudam sob as árvores.
Serpenteiam o dia.
São como cobras preparando o bote sobre nosso desejo. O nosso velho e monstruoso desejo camuflado.
É o monstro que ameaça a segurança debaixo da cama.
É uma urgência desmedida que desespera e que espera e que é esperança e que é desistência.
É estar de mãos dadas com a morte, mas é a morte vestida com sua roupa de vida de gala nos levando a uma grande festa.
É uma farsa, mas só você sabe da real situação, que é simplesmente deixar o desejo selvagem correr solto e devorar os corpos que se desnudam sob as árvores.


Roberto e Márcia

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Através da janela do escritório em um dia ruim

Uma menina caminha até o jardim.
Carrega nos braços travesseiros, lençóis, alguma coisa rosa de plástico, sacolas vazias de plástico e de pano; na boca, uma chupeta rosa.
O vento toma a sacola de pano das mãos da menina, que larga tudo no chão e corre para um resgate desesperado da sacola. Recupera no ar depois de alguns segundos e vai caminhando de volta.
Novamente o vento arranca a sacola das mãos da menina fazendo-a correr atrás do objeto roubado. Desta vez, ao recolher a sacola do chão, a menina se enfurece e bate a sacola contra o peito, as mãos muito apertadas e o rosto todo torcido de irritação enquanto vai caminhando de volta.
No meio do caminho, mais uma vez o vento. Mas a sacola está bem segura e não sucumbe às mãos que sopram sua leveza. O rosto da menina se distorce e ela olha para a sacola em suas mãos... Parece tentar entender alguma coisa... Ela joga a sacola para cima com uma força de lançar um foguete ao espaço e assiste a sacola voar.
A menina mastiga um pouco sua chupeta e continua seu caminho em direção ao restante das coisas que abandonou. Ela organiza todos os objetos ao seu redor, levanta o lençol e o estende com a ajuda do vento, se deitando no chão enquanto a lenta queda do tecido ia cobrindo seu corpo. Ao deitar-se no chão antes do tecido no seu corpo, a menina ralou as costas e fez cara de dor.
Abandonou mais uma vez o lençol, rearrumou o pequeno travesseiro, pegou o estranho objeto de plástico rosa e o possicionou no lugar onde antes estiveram as costas. Se levantou e repetiu a seqüência, deixando às mãos do vento o trabalho de cobri-la com o lençol e deitando rapidamente.
O objeto rosa, muito maior que o travesseiro, deixa o corpo da menina em estado aflitivamente desconfortável, de modo que sua coluna parece dobrar em dois, sua cabeça fica pendurada para um lado do travesseiro e seus braços pendam pelos cotovelos em ângulos esquisitos... ela parece não notar nada de errado.
Fecha os olhos e parece começar a dormir, mas de repente se lembra de algo e seu corpo se mexe repentinamente: une as duas mãos sobre o peito e faz uma oração rápida enquanto mastiga a chupeta.
Volta a relaxar...
Depois de pouquíssimo tempo, mais uma vez seu corpo todo se mexe repentinamente convergindo sua agitação para os olhos, que se espremem, enrugando todo o pequeno rosto. A chupeta rosa vibrando impacientemente na pequena boca. A menina simplesmente não agüenta mais a luz intensa do sol do meio dia e cobre os olhos fechados com o braço esquerdo.
Volta a relaxar...
Durante um minuto inteiro, ela parece adormecida.
Então, aborrecida, levanta, recolhe todas suas coisas com os dois braços e vai embora.
Esquece a sacola de pano.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

{O porquê do gostar} Dias de Sol

O que em mim se fecha em dias de chuva é o que se abre em dias de sol. São fendas na pele, mas não bem fendas, janelas! Milhares de janelinhas de vidros empoeirados a frente de cortinas muito escuras. Através delas, se vê como que por uma impressão de relance as cortinas se movendo disfarçadamente; aqui e ali, pequenas estrelas pela pele, entre os pelos, entre os suores, entre as rugas, todo o tempo, pequenos olhinhos anônimos espiam o mundo fora, camuflados na escuridão de dentro, verificando que tempo que faz.
Se faz sol no mundo fora, abruptamente os olhinhos se apagam e se faz um silêncio universal... Então, crescendo como uma sirene a aproximar-se, dentro das janelas uma agitação vai barulhando, e alguma grande comoção acontece e tudo dentro se agita, se bagunça e se organiza, até que todas as cortinas são arrancadas e todas as milhares de janelinhas são abertas violentamente, como um fôlego.
Por todo meu corpo, as janelas abertas.
Em todas as janelas, seu pequeno morador respirando fundo.
Por todo meu corpo, as janelas abertas, como um edifício em que todos os moradores resolveram deixar o sol entrar.
Em todas as janelas, seu pequeno morador respirando fundo enquanto o calor e a luz entram saqueando todos os fungos e assassinando todo o mofo.
Cada pequeno morador fecha seus olhinhos e sente uma paz quente. Se atira janela afora.
Milhares de pequenas mortes se jogam no vazio e, de repente, ao redor do edifício, não há mais vazio. Por dentro dele, tudo está iluminado e aquecido, corre um vento preguiçoso que brinca e se demora em cada maçaneta ainda por girar.
Atingindo o chão, cada pequeno morador explode, se despedaçando em estilhaços de samba, em fumaça de churrasco, vapor de piscina, cheiro de protetor solar e pedaços de cerveja gelada. Um campo imenso como o oceano cresce e se abre instantaneamente ao redor do edifício, imensas flores amarelas a olharem para o sol, um imenso tapete amarelo a olhar para o sol.
E, aí, é o edifício quem olha para fora e vê a própria sombra.

São corpos abertos. São chaves de abrir corpos. É feira livre e é carnaval de rua. São as ondas do mar. É uma larga estrada vazia no começo de uma viagem. É a solidão completa, aquela que não precisa de nada, não, obrigado. É a mais intensa parceria, é alegria. São óculos escuros e roupas molhadas. É mesa de bar que ri. São buzinas e batidas de carro, é xingamento e vai tomar no cu. São pessoas oleosas. São planos e sal. São cinco horas da tarde ou onze horas da manhã. É uma bela foto e um péssimo beijo. É sem camisa, é sem cueca, é de chinelo. É reflexo no vidro. É som ligado. É caminho, é percurso, é esperar querendo. É areia no vento. É sede, é muita sede, e sede é bom!

domingo, 9 de janeiro de 2011

acabeideperceberumperigosoedecepcionantepadrãoporaqui

Rápida Pulsação. Inquieta Relação.

Me encolho ali no seu pescoço quente, pulsando no ritmo do seu coração. Me penduro ali nas suas orelhas, brinco com elas, seduzo-as, como-as, devoro-as. Aspiro seus cabelos, sinto o cheiro dos seus pensamentos preparando um bote. Agarro os fios e puxo sua cabeça, descrevendo um caminho pelo seu rosto com os lábios, desde as têmporas até o queixo, parando nos olhos para beijá-los enquanto estão fechados, evitando a boca, provocando a boca.
Me encolho de novo ali no seu pescoço, o meu lugar favorito pulsando rápido, acompanhando o peito, pulsando rápido; acompanhando as respiração, intensa, difícil, entrecortada, obscena, pulsando rápida.
Os mamilos recuam sob o toque, se encolhem coagidos, anunciam um frio cortante a inquietar a alma,
a alma dos mamilos...
A alma dos esquilos.
A alma dos bandidos.
A alma dos arquivos.
A alma dos esquivos.
A alma dos vivos.
A alma dos tiros.
A alma dos perdidos.
A alma dos feridos.
A alma dos belos.
Dos gelos.
Dos pelos.
Dos selos.
Dos apelos.
Dos segredos.
Dos sinceros.
Dos desesperos.
Inquieta alma dos doentes.
Inquieta alma dos vermes.
Inquieta alma dos quentes.
Inquieta alma dos sobreviventes.
Inquieta alma dos indigentes.
Inquieta alma dos indignados.
Inquieta alma dos indiciados.
Inquieta alma dos amantes.
Alma dos gigantes.
Alma dos arfantes.
Alma dos ignorantes.
Alma dos tóxicos.
Alma dos práticos.
Alma dos péssimos.
Alma dos cardíacos.
Alma dos maníacos.
Alma dos lunáticos.
Alma dos loucos.
Alma dos psicopatas.
Alma dos malucos.
Alma doida.
Alma varrida.
Alma suja.
Alma-carne.
Alma canibal.
Alma gorda.
Alma final.
Alma consumida.
Alma consumista.
Alma possessa.
Alma possuída.
Alma-posse.
Alma puta.
Alma sua.
Alma inquieta.
Sigo meu caminho pulsando rápido até a rápida pulsação.
In quiet soul.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

súbitavontadedechorarlágrimasquevenhamcomodentessorrindonosmeusolhosreencontreiumamigo

domingo, 2 de janeiro de 2011

súbitavontadededesaparecereusouumbosta