sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Matéria-prima do nada

Eu, que tenho distribuído risos a pequenos circos e grandes funerais,
concedido toques a belos bostas e idiotas geniais.
Eu, que fingi reconhecer teus olhares e simulei nossa solidão...

Amor, encontrei o intumescedor dos fúteis dramáticos

E fiz dele moeda com que comprei uma mediocridade morna,
que reformula meu desprezo e caga meu coração.
Adoro-te

Amigo, encontrei o intumescedor dos poetas fúteis

Eu, que, ao fechar o último sorriso, provoquei motivos de morte que não desafiassem minha coragem.
Que corri ladeira abaixo tentando me livrar do chão que envenenei de drogas roubadas.

Desesperado,
cordialmente desesperado e alucinadamente cego de desespero,
procurei teus papéis para que fossem registros de minha sobrevivência.

Encontrei. Para os poetas sem talento e aos vivos inabilidosos

E perdi o desespero assim que te falei do primeiro "eu"
E o sorriso parasita reabriu, mas só para mim.
E o toque retocou, mas somente em mim.
E reconheci todos os sinais: a mediocridade morna derretia a tinta que falava por mim.


É que, em algum momento, entre calar o riso e te falar de mim, quando me enxerguei desesperado...

eu encontrei.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Admirou-se-se

Cumadre Lourdes,


Estava botando a roupa no varal quando escutei.
Meu coração deu um salto que foi bater nos calcanhar de Deus.
Que barulho horrível, meu Senhor Jesus. De lembrar me arrepio!
Chega deixei a ceroula do Jó cair na terra solta!
Quando ele soube, não quis saber de explicação, não faltou em me arrancar dois dente aqui de trás e um punhado de cabelo dessa minha nuca abobalhada.
Mas, Pai Eterno, que som do inferno era aquele?
De susto, por pouco não dexei cair também a vergonha com a ceroula...daí é que o Jó me corrigia com o porrete de matar peixe grande. Cruzes! Mas a vergonha, a cumadre sabe, é uma trouxa que eu não deixo desequilibrar.
Fiquei desalentada, larguei os grampo no chão e catei a ceroula tremendo e chorando. Um pouco pelo berro, um outro pouco pelo Jó.
Saí correndo pro quintal, tropecei na Zuleica, que está de pintinho novo, arrebentei a chinela benta e já tinha perdido não sei onde o lenço da cabeça...Cumadre...quando cheguei lá, não vi minha cria distribuindo paulada num bicho como quem balança folheto de missa no aleluia?! O pobre do animal já estava morto, cumadre, a criança já estava que era só sangue e tripa de bicho morto por tudo que era canto do corpo.
Botei no banho, desci chinelada e fui enterrar o pau e o bichano perto da mangueira.
Falei pra quem perguntou que ele atirou o pau no gato, sim, mas que o gato não morreu... só berrou e já saiu na carreira pro meio dos mato da padaria. Mas, cumadre, pelo Sagrado Coração do Senhor Misericordioso...segredo nosso! Só estou te contando porque você morreu mês passado naquele escorregão na ribanceira.
Mande lembranças pra Tonha e Buga.
Saudosa,
Dona Chica.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

A cachalote não morreu no estacionamento. No final das contas, o que todos querem é estacionar. Sorte...

Pensando na vida, peguei no seu sono.
Dormindo, sonhei um sonho vívido de viver.
Acordei nauseado na vida, perguntando que sonho sonhei.

Não sei que sonho que é o meu,
Mas sei o que meu sonho não é.
Não é ter ter uma sala nem uma mesa de gavetas infinitas...

O que sonho não sei, mas não com a chave da sala.
E não me corrói o desejo de salvar da extinção os moribundos do planeta,
Então não é meu sonho, pois sonho corrói.

Por vezes, eu sei, se torna inevitável, na vida de qualquer um, salvar uma cachalote ou duas,
Mas ela terá que encalhar na minha vaga se quiser viver.
E talvez não seja meu sonho estacionar e ela fatalmente morrerá.

Não era meu sonho requentar essa merda,
Mas eu requento mesmo assim.
Então, talvez, não seja meu sonho morrer esta noite, mas eu morra assim mesmo.

Não sei qual é meu sonho, mas sei que ele é.
Pois sonho profundamente, sonho dolorosamente,
Perdido, sem saber com o que.



Acho que sonho não saber qual meu sonho é...
Quem não sabe que sonho tem nunca descobre que sonho perdeu.



Pensando no sonho, peguei no acorde.
Acordando dormi o sono da vida.
Sonhando e dormindo, vivi o que meu sonho não é.

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Dentro de uma sala minha, tenho uma mesa bonita de infinitas gavetas que tranquei. Duas baleias guardam a chave e escrevem as merdas requentadas que dito antes que eu morra ao anoitecer.
18h 20min 48seg