domingo, 9 de dezembro de 2012

mamae querida
meu coração
por ti bate
como um
caroço de
abacate

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Maio me trouxe a Junho

Nunca tinha olhado pra cara de junho desta forma. Reparado em como o nariz se torce com nojo de tudo, os olhos marejados de um'água que não vem da dor, a boca cheia de fumaça e só, o jeito como junho pisa quieto, irritante. Mais do que nunca eu odeio junho por me olhar com tanta familiaridade. Eu não tenho nada contigo! Não me olhe como se fôssemos íntimos porque não somos. Junho não significa nada. Mas a vontade é tanta de por toda a culpa das razões em algo. Deve ser o mês, deve ser culpa de tempo, não de espaço. Por favor que não seja de espaço. Espaços andam pra frente e pra trás com tanta facilidade que a gente começa a andar na lógica deles e quando vê está caminhando sozinho. Com o tempo não. Não tem como errar. Ele só anda pra frente e a gente caminha ao lado dele ou deixa ele ir sem a gente. Tem que ser culpa do tempo. Junho destruiu a música que eu amava, a música que acompanhou meu amor, simples e suave coisa. Pediram "bis", junho levantou o copo de vinho como se brindasse, saiu e não voltou mais. As luzes do palco se apagaram, acenderam-se as tristes luzes de serviço. Junho ficou cristalizado de uma forma surpreendentemente desapontadora. Eu peço perdão a junho por todas as mentiras. Junho não tinha esse direito! No samba, ignoro todas as notas de alegria e danço em qualquer de tristeza e cansaço. Sambo no esquecimento de todas as músicas que nunca tinha ouvido. Eu vou parar de pedir. Escrevi uma frase e me arrependi. Vou parar de pedir. Vou pegar mais um copo de vinho e volto já. No segundo copo de vinho, no primeiro junho, eu já posso dizer que a culpa é minha. Foi minha na primeira vez, na segunda também, na terceira nem tanto, mas na quarta definitivamente foi. E são tantas pessoas caídas nos meses passados. Voltei pra levantar a primeira, abandonei a segunda, fui abandonado pela terceira e cai junto com a quarta. Abracei o maio da terceira com tanto desespero, bebi tudo até chegar a... junho. Veio julho... Veio agosto. Logo eu que só sabia de janeiro e dezembro. O meu aniversário e o mês que o precedia. Que quando me perguntavam pelo mês, abusava do charme de dizer que não sabia que mês que vinha. Agora tenho nos meses histórias de fim e começo. Só gostaria de dizer a junho que agosto foi fim, setembro foi fim, outubro foi fim. Em novembro simplesmente senti falta do fim. E em dezembro não me recordava mais dele. Janeiro foi pausa e fevereiro foi recomeço. Desde então, março foi começo, abril foi começo, maio foi começo, mas junho não. E o fim finalmente chegou. Uma certeza que junho me trouxe é que é muito melhor ser deixado pra trás. E não posso me esquecer da força que encontrei em maio, quando isso aconteceu.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Diário de Lisboa . Cuspe

Tenho febre, mas vou buscar nosso dinheiro... Quer saber? Que se dane...Pelo que vai ser? Pelo que já é! E que seja assim, que seja pelo que é. Se ser está difícil, deixa estar... esteja! Essa porra toda é uma piada e tudo que é uma hora deixa de ser. E tudo que nunca foi de repente é demais. É assim. E amanhã não vai ser mais, até porque aqui é hoje, aí é amanhã. E amanhã aqui é longe demais daí. Não faz sentido! Não faz sentido! E a gente cansa de sentido também, não cansa? Tem gente que diz cansar do sucesso e do amor, da felicidade e da paz... que sentido faz? Pra qualquer sentido que se queira ir se acha um significado qualquer. E o tamanho de qualquer sentido é exato da gaveta de qualquer plano antigo. Tá com vontade de sair correndo por aí? Fica aí sentado porque isso é que faz todo o sentido! Sentir um pouquinho menos, meu chapa! Sentido é o cacete! Põe um música pra tocar e se conforma que não tem como fazer parágrafos, se conforma que não tem gente suficiente no mundo pra suprir toda a companhia que se quer. Tira o sapato e chora! Exercita a falta de sentido porque isso é bonito e beleza não precisa de explicação, diferente do que é interessante. Faz da memória um rascunho velho e risca, corta, reescreve, reinventa... Que merda de lealdade ética é essa que se deve a outra pessoa? O que isso tem a ver com caráter, com verdade, com integridade? Qual o problema de se definhar a olhos vistos? De corromper todas as formas de amar, de relacionar, de trucidar os próprios elos como se não fossem mais do que uma teia de aranha ridícula? Faça-me o favor e não me obrigue a ser melhor que ninguém! Antes tenha de mim a pior hipótese, a mais grotesca expectativa. Vou mais é procrastinar cada sonho! Sinceramente, não preciso de nada que já não tenha, e já está difícil administrar esses vícios todos! A bipolaridade é só mais uma psicopatologia de cada um de mim, e este polo aqui está pouco se fodendo pra coerência e pra parcimônia. Eu só não quero precisar me obrigar. É tudo. Adeus.

sábado, 12 de maio de 2012

Diário de Lisboa . Pinóquio em Estoril

Ah! Olha lá... tem uma música se esgueirando na distância entre a pele e os ossos. Ah! Ainda tem pelo que se arrepie? Ainda tem pelo que se arrepiar. Olha aqui! Litros e litros e litros e litros e litros de sol. Gotejando dos olhos num abraço frio do Atlântico, o doce do Atlântico. Mas que sede é essa, cacete? Lamber a areia toda desde a praia até o fundo do rio, a ponta dos dedos como quem se delicia da lembrança do que foi bom. E quilos e quilos e quilos e quilos e quilos e quilos e quilos de sol. Passando por baixo da ponte e afundando na água como chumbo, se colocando em peso sobre mim, colado ao chão mal podendo respirar. Ah! Olha que a gente não sabe nada dessa pressa toda, a gente só sabe dessa luz bonita. ............................................................................................. Autocarro errado que se faz certo, o 714 dá voltas em oito no intestino da cidade, com tantas pessoas tantas pessoas tantas, todas, dando voltas no intestino do 714, a reclamarem sempre, que é sua felicidade, a reclamarem dos oitos, do intestino, do 714, da cidade, das pessoas, das reclamações, a serem tão felizes sisudas. São como crianças a quem se deixa brincar, são tão bonitas. Todas! Com as voltas que dão dentro de si, espetando seus bicos na paisagem escorrendo pelas janelas do 714. Descendo e subindo, embarcando e desembarcando, dando colo e decolando. O eléctrico 28 e o motorista sisudo, tão lindo, tão lindo. Talvez seja pela luz, mas tão lindo tão lindo nesse sol. Pergunto e não responde, pergunto e responde que não, não pergunto mais nada e o intestino treme dando mais voltas dentro de si, oscilando o bico reclamão, vacilando o olho. O 28E vai batucando rumo a não se sabe onde desce, mas desce mesmo assim porque tem sol, tem Feira da Ladra na Graça, e tem ladrão! E tem também a velha que está sempre no bar, tem as molduras antigas e lascadas, as revistas pornô de 72, um pato feito de conchas, tem sol bem barato. Tem ladeira a que se sobe e a que se desce até o Cais do Sodré. Dois sanduíches na beira do rio e Roberto Benigni desejando ser um menino de verdade. Vamos a Cascais! Pega o comboio pra Cascais! 4,10 de ida e volta, o cartão verde. Vamos a Cascais! O comboio, a viagem, a longa viagem, nem tão longa assim, mas é viagem e viagem é sempre longa, é viagem de 20 minutos. Desce em Estoril onde aguarda um loft, um quarto único com única cama, um pedaço de homem sem pernas pra ir embora nem cabeça pra desaprovar, um estúdio, um manequim que é mulher colada de azul e recortes, pedaços, retalhos, ornamentos, Bob Wilson, um limoeiro com limão que não se come, com limão tão grande tão grande, tão amarelo, tão melancia e tão melão, uma solidão com algum pedido, um cafezinho com cigarro, e as pessoas tão bonitas, dessa vez não sisudas, mas sorriem tanto tanto tanto, todas, todas sorrisos, tantos! Pés descalços, mãos nas paredes, sentada no chão, açúcar que sobra e tudo branco tão limpo. Não por ser casa, mas por ser mais do que casa, por se desconfiar descascar a pintura e descobrir carne, abrir a torneira e lavar-se em sangue. Mas vamos pra Carcavelos, pra praia, sem roupa de banho, sem vontade de banho, até mesmo sem sol. Mas mergulha nas algas vermelhas, roxas, nas águas coloridas da minha vida, na onda roxa a atravessar a altura da cabeça. Cuidado com as pedras, tropeça e cai, mas cai na próxima onda, que depois dela tem mais outra e mais outra e mais outra e mais outra. Esse é o Atlântico, tão quente nas areias da América, tão frio aqui, mas com sal tão doce. E a gente só pode rir, porque é o que sobra quando não se sabe onde guardar qualquer coisa, ou se chora, mas é tanto mar e tanto mar que o que chora se confunde com as ondas e o que se sangra se confunde com as algas, então se ri. Ri-se muito, muito muito e tanto tanto. Mergulha na areia e sol começa a rir também. É tudo uma grande piada portuguesa, "tem piada nisto", e tem muita piada mesmo, é giríssimo, giríssimo. Os ladrilhos no chão dividindo o caminhos em partículas em que não se sabe caminhar. O caminho que leva a uma ponte que não se atravessa. Mais água! Uma foto tão maravilhosa e eu a me inundar daquela fotografia, os patinhos descrevendo a palavra brega sobre a água azul tão azul, tão verde, tão transparente que eu me misturava nela e talvez não me vissem. Mas me vêem. E eu me sinto a própria ponte, a água passando por mim, eu sem ser um obstáculo. Na volta, um prato de caracóis, de tremoços, de cascas de batata fritas, de mexido e farinheira, de chouriço, de pão, de cerveja. Em casa, tirar a roupa do varal, por roupas na máquina, por dvd no drive. Pinóquio. E Robertos querendo tanto ser um menino de verdade.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Diário de Lisboa. A borda

Estou com saudade de ser poesia. Tem batido um vento tão forte que fiquei com os galhos secos, com toda a poesia a murchar nos meus pés. Estou feito só de respostas, de reações, de reflexos. Estou sem remos nem velas, prestes a abandonar o barco. Tenho procurado meus olhos fechando lentamente, brilhando discretamente, contando um segredo explícito, os créditos subindo. Tenho procurado um motivo pra entristecer, mas não se acha... Desaparecido junto com a vontade de acordar de manhã. Estou com saudade de uma esperança boba e de um sonho gigante. Meu sangue envelheceu e contaminou todos os órgãos com os glóbulos violetas do fim. E todo o organismo parece gemer na mesma frequência irritante, inaudível, insuportável. Vi nos olhos de uma amiga uma beleza tão grande, tão grande. Um brilho tão frágil na íris, uma pupila tão facilmente dilatável, canais tão banalmente lacrimais. Me envergonhei de onde me enterrei, do forte que construí e do quão fraco fiquei. Acostumar-se é uma merda.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Diário de Lisboa . Manifesto de Calvin

Eu quero a euforia, felicidade não basta... Às vezes a gente tem a obrigação de ser feliz. Vamos rindo, rindo, sorrindo, rindo, gargalhando, rindo, sorrindo. São tantos dentes, é tanto dente. É tanta ruga de sorriso, de riso, de ser sorridente, de sorrir, de sorrir, de rir enrugado. É uma máscara bizarra contorcida, tão doente, de boca aberta como se engasgasse, histérica como se louca. Sorridente, assustadora. E aquela história de que a tristeza não tinha fim, e sim a felicidade? Que sensação mais aterradora essa de dois ganchos guinchando cada canto dos lábios para as orelhas! Que esvaziamento da diversidade inter-relacional isso de começar e terminar tudo com um sorriso! Que positivismo imbecil isso de potencializar qualquer miséria! Que foto super-exposta essa de não se deixar nunca de dizer "x"! Que palhaço deprimente desse circo de mundo! Fecha essa boca! Aperta esse riso! Faz um nó na felicidade! Sorrir não é prerrogativa pra se estar no mundo, muito menos pra comprar pão. Aliás, muto menos pra vender pão. Simplesmente a felicidade está gasta. É como uma faca cega tentando cortar um pulso por toda a eternidade. A felicidade deu o cu tinha e o cu não tinha pra todo mundo e terminou com a b...........oca arrombada. Só me deixa um pouco quieto, pode ser? Não me venham com suas vontades, seus sonhos, suas presenças, suas levezas, seus confortos, suas lições, ansiedades e tédios, seus convites. Não olhem pra mim que eu não posso correr o riso de arriscar...

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Diário de Lisboa . E se

nada é bom hoje.
É difícil admitir.
Acordar cedo não ajudou. Rir não ajudou. Almoçar bem não ajudou. Ganhar um presente não ajudou. Matar aula não ajudou. Correr na beira do rio não ajudou. Desenhar não ajudou. Escrever não ajudou. Lembrar não ajudou.

É como se eu percebesse que meu relógio quebrou e eu perdi um compromisso muito importante.

Eu estou cansado de tentar.

É como querer de repente esquecer tudo que eu já quis. É como querer passar a vez pra alguém.

Diário de Lisboa . Barcelona . Gotic Rain

A chuva chegou. Caiu sobre a minha Barcelona dos sonhos, trazendo uma amiga e uma tempestade, derretendo a maquiagem da cidade tão gentil.

Such a prik!

Uma nuvem carregada de insetos a diluir a luz do sol. Insetos pingando pouco a pouco, molhando as paredes com minúsculos pontos preto a caminharem, molhando o travesseiro, caminhando pelos lençóis, pela roupa, escorrendo pela pele. Uma chuva sorrateira na penumbra da noite, um chuvisco silencioso no beco do sono, uma praga a obscurecer os dias dos meus sonhos egípcios, crescendo gradualmente no intervalo de dois dias até desembocar na tempestade.
Milhões de insetos a picarem-me a pele, entrarem pelos ouvidos e narinas, abrirem caminho sob as pálpebras e entre os lábios, um rio ou uma enxurrada de pontinhos pretos a inocular o veneno das boquinhas asquerosas na corrente sanguínea da minha satisfação, debatendo-se sob o efeito cancerígeno para não sucumbir.

What a prik!

Abri o guarda-chuva e digitei algumas palavras, cliquei em "enviar"... novamente o sol na Barcelona alaranjada de sorrisos, rostos, Gaudis, gentilezas, corpos, velocidades, belezas, ruelas, canções, bardéns e picassos, castelhanos e paellas.
Uma noite mais no Bosc de les Fades e algum encantamento saiu errado, algum item das duas jarras de poção que foi trocado e trouxe de volta a chuva. Um oceano a despencar do céu de uma vez só, acendendo luzes e falando alto, pingos de inglês gelados e ácidos, poluídos. Uma tempestade a revirar colchões e remover camas inteiras do chão, a desaparecer com os lençõis. Um dilúvio a escorrer por baixo das portas e através das janelas até inundar os quartos.

Such a prik!

A ilha da minha cama encurralada numa enchente, até ver submersa e afogada toda a fantasia, até ver finalmente afogada a mochila e, com ela, a satisfação, finalmente vencida pelo veneno mortal dos insetos nojentos que chovem pelo mundo inteiro, fertilizando o solo da babaquice e fazendo crescerem fortes e saudáveis os maiores babacas que as descargas já viram.

What a prik!

.....................................
Um boi a olhar para nada, a pensar em nada, babando levemente, narinas úmidas, orelhas pendendo e balançando ao ritmo ruminante, os olhos opacos, o tronco pesado e estorvante, o tronco compacto e quadrado, as patas plantadas no chão, imóveis, entediadas, os olhos vazios, o rabo inútil a rebater umas moscas, acostumado.
Uma lâmina a acariciar a nuca, a adentrar a carne, partir tendões e músculos, quebrar a coluna, cortar a traqueia, os olhos, os olhos nublados, o pelo branco, o pelo vermelho a pingar, a cabeça toda a pender do resto do corpo, pendurada e balançante, a lâmina a desfazer o último ligamento e artéria de mugido. Até finalmente para de ruminar. Olhos mortos.
...............
É a isso que chamam Serenidade Gótica.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Diário de Lisboa . Barcelona . Era uma vez Barcelona...

Leões maiores que touros a guardarem a entrada d'Las Ramblas. Um bando de reis da selva de pedra e mar, implacáveis e inabaláveis. Eu a agarrar-los pelos cabelos, escapando por pouco dos dentes e garras, matando um a um, matando um a um os rugidos que se libertavam de suas gargantas enquanto lutavam para se libertarem de mim, montado sobre suas costas a domesticá-los, submetê-los, castrar-lhes as jubas. Colombo em meio à batalha, na covardia do alto de sua torre inalcançável, apontando dementemente para a América como se ainda se arrependesse do que descobriu... enquanto eu transformava em bronze um leao de cada vez, eternamente fiéis a mim e a minha coragem, olhando eternamente para o infinito à espera de um chamado meu.
N'Las Ramblas, as novas folhas surgindo nos galhos à medida dos meus passos, abandonando o inferno assim que me viam passeando com a prima Vera. Ela, gastando todo seu alemão, inglês, francês, espanhol, português e japonês enquanto se banhava no meio do rio de mundo que corre por lá.
E no dia 29 de março de 2012, a Paralisação Geral espanhola a paralisar totalmente um casal na véspera de um abraço. Os dois a observar o mar com seus olhos de metal enquanto os braços invisíveis de um permanecem quase abraçando. E o que se tem é o frio do outro, que permanece quase sendo abraçado.
Na frente dos dois, um porto de derrotados, o mar Mediterrâneo chacoalhando um barco pirata, negro e maligno, desembarcando piratas fugidos da Terra do Nunca.
O enorme navio com suas velas recolhidas, nós desatados, casco feito de pó, põe sua língua pra fora e vomita os perdedores de pernas de pau, os perdedores de tapa-olhos, os perdedores de papagaios perdidos... uma atrás do outro, os quais abrem um bar na Carrer Ample do Bairro Gótico pra recomeçar a vida com dignidade, me servindo runs, cointreaus e sorvetes de limão num grande "Smith", que é nome de de drink capitão, cervejas "Estrella" de baixa fermentação, construindo seu negócio ao redor do altar de São Peter Pan. Eu a pedir a benção da eterna juventude com um levantar de copos cheio de fé.
Noutro ponto da costa, um peixe gigante a flutuar sobre a praia da Barceloneta, a fazer sombra sobre os edifícios, meditando desgarrado do Mediterrâneo, que é pequeno demais para o peixe que pode habitar o céu. O peixe Gehry a me ofuscar a visão com suas escamas douradas sob o sol, preso pelos barceloneses no seu aquário de ar. Todos a cutucar o vidro enquanto Gehry apenas observa os "topless", os moletons, os cachorros... desejando ser sushi dos que correm na praia.
E toda noite a mesma rotina das fadas, pontilhando todos os lugares com sua luminescência azul a subir e descer no ar para ganhar dinheiro para seus senhores, traficantes-cambistas de fadas a vendê-las por qualquer mixaria ao primeiro turista. E elas se vão até que o trabalho excessivo lhes apague o brilho, lhes quebre as asas... até que a última lembrança do lindo bosque das fadas seja expirada de seus pulmõezinhos.
Enquanto isso, em El Bosc de les Fades, os habitantes mágicos fazem vista grossa para a situação. Eu a interrogar as árvores sempre de caras tão tensas e elas a me negarem qualquer informação comprometedora. Lá no balcão, a rainha do Bosc a me servir uma jarra de cerveja atrás da outra enquanto meus propósitos puramente investigativos , coincidentemente, vão perdendo prioridade para os alegres grilos amestrados a cantarem, para a cachoeira de água brilhante a cair, para as folhas multicoloridas e estalactites, para a lâmpada incandescente da lareira, para a pequena fadinha streapper a ficar nua todas as noites em frente aos fregueses.
E o que dizem é que é melhor assim... os mais fervorosos em sua sede de justiça acabaraam por desaparecer misteriosamente e ganhar suspeitas e convincentes cópias de cera no Museu de Cera logo ao lado.
Decidi passar a simplesmente olhar com compaixão para as fadinhas escravizadas sempre que saía meio embriagado do Bosc de les Fades.
Depois de oito dias, depois de muito me perder e me achar nos labirintos do Barri Gòtic, da Barceloneta, d'El Raval, da Ciutat Vella, em La Ribera, na Grácia e Montjuïc, Plaça Espanya e L'Eixample, cheguei ao derradeiro portão de despedida do meu último dia na Catalunha.
Em Les Corts deparei-me com os Pabellones de la Finca Güell, um grande portão de metal escurecido pelo tempo e um porteiro. Um dragão protegia a passagem com sua boca enorme aberta em um desespero protetor de sua função, em um fúria digna da rigidez do metal que corria em suas veias de dragão. Ele, enorme em seu rugido silencioso, sua língua bífida se esgueirando entre os dentes, as asas gigantescas bloqueando a luz do sol, as garras afiadas, do tamanho de braços, fechadas sobre as barras do portão, o rabo e o corpo esquelético enrolados no ferro dos pabellones.
Eu simplesmente deixei cair meu escudo, minha armadura, minha espada e meu tabaco e adormeci ali mesmo.
Sonhei com toda a minha Barcelona. Ao final do sonho, encontrava uma cerquinha e, equilibrado no arame, um lagartinho colorido. Eles subiu no meu dedo e peregrinou até meu ombro, onde sentou-se e cruzou as pernas enquanto eu contava da minha Barcelona. Ele nunca ouvira falar de tal cidade em toda a Catalunha, e seus olhinhos brilhavam enquanto torcia seu rabinho de tanta expectativa. Ao final da história, ele tirou uma minúscula chavinha do bolso e jogou pra dentro do meu ouvido...

Eu acordei e o dragão abandonara o portão para proteger a mim, adormecido sob suas asas. Até que acordasse, recolhesse minhas coisas, acendesse meu cigarro e cruzasse o portão para fora da minha Barcelona, vivendo feliz sempre que desse.

Fim.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Diário de Lisboa. As ondas e as escadas

O maior produto comercializado hoje na Praça do Comércio é a paisagem, emoldurada pelos bytes de inumeráveis turistas que compram roupas na Rua Augusta, cerveja no Bairro Alto, pastéis de belém em Belém, castelos na Graça...
A Praça se abre como o céu, pontilhada de estrelas brilhando no esplendor de seus flashs, orbitando o sol de um cavaleiro bronzeado rodeado por elefantes petrificados. A Praça é um funil a convergir todas as águas de pessoas ao Tejo, ao Atlântico, escorrendo invisível por escadas que mergulham no mar, em direção ao absurdo destino submerso.
Às vezes imagino almas tristes a descerem aquelas escadas, molhando a barra de vestes esvoaçantes e luminosas. Almas chorosas atravessando as pessoas a escutarem a música moçambicana, atravessando a dançarina moçambicana, atravessando os alemães a tomarem sol, as crianças a brincarem com as ondas, atravessando os japoneses sempre tão felizes, atravessando-me. Um exército desapercebido a descer aquela escadaria e se misturar com a água.

O esforço de todo um oceano para subir cada degrau de novo e de novo. As pessoas rindo da incapacidade do mar, em sua fúria, de atingir o topo da escadaria. O eterno desce e sobe espumante e violento a não ultrapassar o décimo degrau.
E as pessoas a rirem-se do alto de seu décimo primeiro degrau, medrosos demais para imaginarem-se descendo os mesmos degraus até o fundo do mar.

Eu a escrever da segurança do meu décimo primeiro sobre um mapa que a falta de papel me fez escolher.
O que não me faltam são mapas. São mapas de Sintra, Lisboa, Portugal, linhas de metrô, comboio, de autocarros e elétricos... nenhum que me guie na direção do último degrau (ou primeiro). E eu me sentindo como as ondas, incansáveis em seu objetivo de escalar a imbatível escadaria, explodindo contra cada degrau em estilhaços brancos de água.
Um dia desses, dou a mão às ondas e ajudo o oceano inteiro a subir...

Um dia desses afoguei os pés no décimo degrau e o toque do mar foi doce e carinhoso, cheio de sentimento. Mesmo vindo implacável em espuma, velocidade e explosão afogou os pés e a barra da calça, mas fez navegar o coração, seguro pela âncora dos pés.
Se tiver de lembrar de algo, lembro destas escadas e destas ondas, da ameaça constante das águas ao décimo primeiro degrau, da corrida assustada de alguns turistas que não suportam a visão aterrorizante do mar empenhado em ultrapassar o décimo, das pessoas pegas de surpresa no oitavo ou no sétimo.

É a entrada da capital das navegações e quem não pode entrar é o mar, eternamente porteiro. Ele e as gaivotas, revezando-se em turnos de vigília sobre o portão lisboeta fincado no peito do mar, dois pilares brancos fora do alcance das mãos metamorfoseando-se em Canons, Nikons, Sonys, Sansungs...

Um dia desses, dou a mão às ondas e elas me puxam pro oceano, onde vale a pena naufragar, ser esquecido nas lágrimas esquecidas da história do mundo, fazer parte do exército a atravessar turistas.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Diário de Lisboa . Música subterrânea

É superfície.
Caminho com som nos ouvidos, os sons portáteis, indiferente às vozes do mundo ao meu redor. É um momento de certa dor sorrateira e anônima...
Acontece que acordei, mas ainda me sinto dormindo e tudo soa como uma perturbação ao meu coração sonolento, sem vigor, sem pulsação. E o que tenho é fome, como se esperasse encontrar uma lanchonete que servisse qualquer intensidade e poesia em seu cardápio.
É superfície ainda.
Eu ainda indiferente, rumando pra beira do rio pensando nas minhas afinidades com o Superman e se o Clark Kent se sentiria assim eventualmente...
É superfície, eu desço na paragem, viro para o parque e escolho seu caminho mais escuro, entre os ciprestes, dobro à direita para passar pela fonte... superfície.

Para chegar ao rio, tem o inevitável subterrâneo, uma inevitável passagem.
Uma passagem subterrânea a apenas uma escadaria de distância da superfície.

Ainda com minha própria sonoplastia para a paisagem, vou descendo as escadas, com passos de quem espera se jogar no rio, com passos de quem não tem coragem, com passos de quem espera ser jogado no rio, com passos de quem sabe que Lisboa é segura demais pra isso.
Passos tristes a carregar um coração morno, um peito morto, uma vontade de ar, uma cabeça desencaixada, deslocada.
Estes passos a deixarem a superfície e descerem com a tensão de alpinistas cada degrau em direção ao subterrâneo.
Degrau a degrau mais próximo do subterrâneo.

Mas antes do fim, uma agulha a perfurar meus fones de ouvido, uma agulha que reconheci.

Em outra ocasião bem mais feliz, descendo as mesmas escadas entre o mundo subterrâneo e o da superfície, no mesmo degradê do desnível, uma música. O som de um violão solitário aumentando de volume na mesma proporção em que iam terminando os degraus, como se o corredor da passagem estivesse inundado e o descedor de escadas estivesse prestes a mergulhar e se molhar...
A passagem subterrânea.
Na quele corredor vazio àquela hora da noite, um homem sobre um banco, o rosto voltado ao violão, como se estivesse a tentar escutar o próprio peito, indiferente a mim e à moeda que depositei.
Sozinho na passagem subterrânea, indiferente aos passageiros como eu. E os ecos de seu violão nascendo e morrendo no intervalo entre as duas escadarias. Certidão de nascimento e óbito sem nunca alcançar a luz da lua na superfície.
E na passagem subterrânea...
E agora, esta mesma agulha a remendar esta memória, me lembrando da importância daquela travessia a esta hora da noite.
Instantaneamente retirei os fones de ouvido e abaixei o rosto como se reverenciasse um deus, para não encarar com indignidade aquele personagem, na glória de sua majestade e triste figura, sentado em seu trono, a dar vida a todo o seu reino do subsolo e ser soberano sobre seus súditos, as notinhas de mãos dadas a cantar a harmonia daquele reinado.
Sua música é simples, pequena. Agudos tão desesperados e graves tão conformados, uma emoção tão profunda dedilhada com tanta perícia, como se as cordas do violão fossem de veias e artérias da própria solidão. Que o homem canta toda noite sozinho, afogado nos ecos lindos de sua prece.
Ali, no subterrâneo...

E chegando ao meio da travessia: um terremoto. A passagem inteira a tremer, o meu limbo a desestabilizar-se, o subterrâneo a chacoalhar e vibrar. Os agudos e os graves a desaparecerem no som de um trovão, como se o mundo subterrâneo, de repente, fosse o próprio céu em tempestade.

É o trilho do trem que cruza a superfície logo acima.
É o trem que também me tempesteia por dentro e o mundo inteiro parece fadado ao fim naqueles trilhos. E o trem passou, e passou, e passou, e passou. E passou.
Passou e havia novamente só o violeiro e eu. E logo havia somente eu, deixando aquela música a cada degrau que subia para a superfície.
E logo havia apenas eu e o rio, e sua música também é linda.
E logo haverá novamente só eu e o violeiro na passagem subterrânea, percurso obrigatório d meu retorno. Mas a sua música não será mais a partitura da solidor, será a do Tejo nos meus olhos e no meu peito, que é só uma via pro mar.

A única diferença entre as músicas será eu, fazendo a sonoplastia da paisagem, mas sem os fones de ouvido.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Diário de Lisboa . Drão


Dois dias encasulado na masmorra. Enclausurado no casulo.
Gastar o dinheiro de dois meses em duas semanas dá nisso! Muito bem gastos... com o que gosto, com quem gosto, com quando gosto.
Tendo como janela só a minha pequena, que dá para o número 26 lá na rua, número que ainda se justificará neste caminho à frente. Tendo como janela apenas a minha pequena, luminosa, que dá para o Brasil, para Brasília, para casa, às vezes para o mundo.

Pensando muito sobre o amor, sobre se é necessário pensar sobre o amor tão longe de casa, pensando se saudade é amor, se a saudade é caleidoscópica, ouvindo "Drão", impressionado com o último verso, reverberando para além do vídeo no Youtube, pensando se o meu amor tem lar em qualquer parte do mundo, se eu tenho coração em toda a parte do mundo.

É o que eu acho que acontece. Sem olhar as paisagens lá fora, olho pra paisagem aqui dentro. E está tudo turvo, sob neblina densa num dia de sol intenso... e o que se vê são praticamente apenas os raios do sol, com seu percurso encantador, mágico, etéreo desmascarado pela névoa. Algumas silhuetas que facilmente me distraem, divertem ou amedrontam ao redor... suas origens reais misteriosas, nada é claro.

Nessa paisagem, escuto umas vozes vindo não sei de onde, vozes do passado, de momentos do passado, de sentidos do passado, atravessando a bruma... Dizem coisas boas de ouvir no ouvido desse mesmo passado, estranhas ao ouvido que anda comigo agora, distraindo-o dos raios de sol. Tão longe de tudo que construí e mesmo assim algo que já quis muito construir me persegue agora com tijolos, cimento e pedreiro na mão. Mas não há mais lugar pro tamanho dos planos de ontem. Há lugar pra outros... Há apenas o lugar cigano e nômade da falta de planos.. drão... acho que também percebi que o verdadeiro amor é vão.

Faz menos sentido pensar no amor aqui, faz todo o sentido sentir amor aqui. É tudo lindo através do litros de água que me distanciam, é tudo lindo através da distorção, e talvez seja tudo mais verdadeiro através da distorção.

Antes mesmo de decolar, já embarcava na viagem de vinda pra descobrir que eu amo. E nunca me esqueço do "infinito mar", o infinito amar, nem do rio que corria para lá, do medo que eu tinha e dos pés que nunca haviam se molhado. Hoje ensopados, enlameados, atolados, machucados, afogados, mas no turbilhão da correnteza! E como é inacreditável o turbilhão da correnteza! E parece não fazer sentido se locomover se não for à nado, abandonando o barco e mergulhando na beira da praia, se afogando na areia.

"Morrer e nascer trigo. Viver e morrer pão"

A Lisboa de hoje acontece aqui dentro. As paisagens não são muito diferentes do que se via no Brasil, mas parecem abrigar uma foto panorâmica agora.

Hoje fiz uma caldo de marisco.
De saquinho, mas acrescentei tomate, alface, cenoura, repolho; temperei com orégano, alecrim, vinho branco, azeite... não obedeci o modo de preparo das instruções. Ficou maravilhoso.

Acho que a minha Lisboa, eu, estamos meio como esse caldo de marisco...
Tem algo na garganta que não quer sair.

Acho que é Caetano Veloso.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Diário de Lisboa . Apenas o fim do mundo

Foi apenas um copo de cerveja, uma Super Bock de 400 ml por 3,80 euros.
Foi apenas a dançarina de Cabo Verde chamada Camila dançando e vendendo os cd's da banda por 10 euros.
Foi apenas a música em frente à estátua de Fernando Pessoa.
Foi apenas o anoitecer. Foi apenas um ponto muito turístico demais.
Foi apenas The XX tocando dentro de mim ao ritmo de "chega de saudade, a realidade é que sem el...".
Foi apenas um encantamento com a menininha de casaco vermelho dançando antes de saber andar, lá, entre as pessoas indo e vindo na calçada.
Foi apenas saber que via a Camila dançando em pontos diferentes da cidade desde minha chegada.
Foi apenas o céu do tamanho da vida do universo lá em cima, suspenso, como um grão invisível. As Três Marias acompanhando minha viagem quando o que eu achava é que só voltaria a vê-las em seis meses. Vim acompanhado de amigos afinal.
Foi apenas a brasileira de sobrenome "Alegria" sentada no desnível da calçada vendendo desenhos antes de ser brasileira.
Foi apenas um par de olhos azuis que prometem e escondem muito.
Foi apenas o calor que fez hoje...
Foi apenas as pessoas. As pessoas. As pessoas.
Foi apenas... e foi pouco mesmo. Foi tudo pequeno como aquela partícula de poeira que a gente surpreende na luz do sol, ou como aquele pontinho semi-transparente que foge da pupila quando a gente tenta olhar diretamente pra ele.
Foi pequeno como os dias que achei natimortos, como os amores dolorosos e os inesperados - que são os mesmos -, como os dias ensolarados em que chove, como duas pessoas que duram pra sempre numa noite, pequeno como o encontro e o reencontro, foi pequeno como a perda...
Foi apenas isso e pequeno como a minha simples vontade de falar que o vulcão está em erupção. Que está a explodir num espetáculo lindo e terrível, que está a queimar tudo aqui dentro, destruir todos os calendários internos... Aqui dentro eu já enfrento o fim do mundo, e que todos podem se acalmar porque os maias fizeram aquele calendário pensando somente em mim, eu sou 2012 aqui dentro.
E é apenas o fim do mundo.

Hoje, eu espero que todos que eu amo queimem, tenham uma auto-estrada de altíssima velocidade cá dentro, tenham os olhos ardendo da mistura do riso com a lágrima, que sejam donos do mundo e deuses de outros só seus, que tenham o futuro do tamanho de dois segundos a cada dois segundos, que tenham o grave de suas músicas vibrando o peito.
Hoje, eu só desejo que todos que amo sejam muito felizes.
Eu desejo tão pouco neste momento.
É tanto desejar que querer pouco assim seja sempre?

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Diário de Lisboa . Casa-quarto

Dia de faxina e arrumação.
Fiz uma limpeza naquilo que estava inaceitavelmente sujo, dobrei algumas roupas que estavam largadas no chão, organizei e classifiquei papéis em gavetas, armários e pastas, desempacotei pincéis, pastéis, lápis de cor, canetas e outros lápis, papéis em branco, separei as fotos que ornamentarão as paredes, aquele desenho na escada, coloquei o reloginho verde sobre a mesinha.

Agora o peito parece finalmente habitável, está mais confortável para o coração, mais acolhedor para o pulmão, mais espaçoso para as costelas. Estou a encher o peito de respiração neste momento, o ar estranhando a ausência - momentânea, eu sei - de bagunça e desorganização, deitado no chão do peito, olhando pela pequena janela da masmorrinha da garganta.

Aqui fora também aconteceu de forma parecida, na verdade, de forma exatamente igual: fiz uma limpeza naquilo que estava inaceitavelmente sujo, acalmei as saudades que estavam largadas pelo chão, organizei e classifiquei os planos e expectativas em gavetas, armários e pastas, desempacotei os desejos, as vontades, o vigor, as esperanças dos papéis em branco, separei os momentos e pessoas que ornamentarão as paredes, aquele sentimento, coloquei o reloginho verde sobre a mesinha.

E agora está tudo branco nas paredes brancas. Um quarto quase livre dos resquícios da viagem senão pelas malas atrás da porta, esperando por nova bagunça. Uma de resquícios da permanência, do lixo que surgir daqui, do que morrer da vida aqui, do que simplesmente nascer.

Ao chegar da rua, chegar em casa. Um martini à espera, uma portuguesa chamada Ana,um convite, um pouco de inglês com o alemão, tabaco na mortalha, música e Amanda.
Chegar em casa...

Chegar em casa até que se esteja em casa.

Ps.: e as horas da madrugada ainda me surpreendem.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Diário de Lisboa . Corpo lisboeta

Começo a constituir corpo lisboeta.
Hoje ganhei boca e pernas.

Boca a abrigar a cidade, a língua revolvendo a cidade dentro da boca, o estrogonofe na boca, a boca a comunicar outras bocas, bocalcântara no comboio, a boca a brincar com a língua, a língua na língua, o português... o português e o português. Boquiaberto, boquiabrindo-nos, desatando-nos.
Um trem na bocascais, o cais na bocascais, uma praia na bocascais, albatrozes e gaivotas na bocascais, um velho barco na bocascais, duas cervejas na bocascais. Cascais do sol tão longe da vista, caindo invisível e uma fome de por-do-sol na bocascais. Boca engolindo toda Cascais de uma vez.

Um barco desatracado na língua...
Irish Pub fixe. Hard Rock Cafe. Ouço malta de xungas e mitras. O fado na Rua da Saudade. Os azulejos na esquina deste momento.

Pernas por 26,90 euros, a andar por trilhos, rodas, estradas, cobrir toda Lisboa e só ela. Via Carris, por autocarros, comboios e elétricos. Dando passos maiores que as pernas por 4,10 euros, o preço do tropeço na fronteira do Navegante, desbravando o bravio do cais de Pirenópolis lusitano, nas cores, nas casas, no simples da luz do entardecer.
Nada de Pirenópolis na areia das pernas, felizes por existirem e, no fim, não pertencerem à Lisboa, mas a mim, batendo perna em Cascais, aberta ao Atlântico imenso.
Caminhando pelas costas atlânticas, ou seriam caras atlânticas? Os olhos ainda parecem olhar lá da costa do Farol de Santa Marta, onde fui feliz no mar um dia inteiro, com medo de tubarões e fascínio pelas ondas no golfinho.
Por 30 euros troco as pernas de fora-da-lei por duas de vale-transporte para Cascais e além, até que se apresente outra fronteira às pernas que são só minhas,as que fogem da lei e me levam de cúmplice e refém.

As pernas e boca voltam à Belém, ao restaurante de sempre, por 5 euros, mas não por 5 euros; apenas uma sopa hoje, por 90 centimos. Se recolhem na masmorrinha com Mariza e Amália Ribeiro, tentando somar ouvidos ao organismo do intercâmbio.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Diário de Lisboa. 2h27min

2h27min em Belém.
No Brasil, 00h27min.

Em Brasília as pessoas pensam sobre entrar na madrugada, se é uma boa opção, avaliam as consequências ou arcam com o inevitável...
Enquanto isso, eu, cá, ainda em Brasília, pego de surpresa por essa mesma madrugada que já se adianta e já corre rápida me fazendo lembrar que a hora do almoço é ao meio dia e não às três da tarde, e que o jantar é aceitável às 22h, mas não em plena meia noite.

Apesar disso, minha última madrugada nesta cidade fria, que cultua os grandes navegadores apodrecidos, evaporados e chovidos, tornados parte do mesmo mar que dominaram, durou uma semana. Uma semana... É muito tempo pra madrugada.

Às 2h27min na Rua do Embaixador eu fumo um cigarro sob as cobertas enquanto Nina Simone me fala "Don't smoke in bed", bebo uma garrafa de vinho em que espero encontrar o ritmo certo dos batimentos cardíacos e da frequência sináptica.

Acho que foi uma semana de garrafas de vinho português e cigarros sob as cobertas às 2h27min. Uma semana que passei debaixo das cobertas, protejido do frio e da compreensão de que, afinal, o cigarro é mais caro do que o vinho; uma semana achando que, além de mim, lá fora é tudo escuridão, silêncio e deserto. Uma semana de madrugada sem esperar que o dia viria.

Foi justamente no carnaval que veio a manhã. Soou o despertador verde e minúsculo no criado-mudo para dizer que o dia existe para por os sonhos da noite em existência. 2h27min e é hora dormir para acordar, pos aqui o dia chega com duas horas de antecedência.
Um chão repleto de confetes e serpentinas mortos... dando vida àquele chão tão regular, acompanhados de um batuque xoxo, em que o melhor era se satisfazer com o bloco brasileiro de carnaval, que puxava todos os outros, mas que sobressaía smplesmente por não parecer uma marcha militar. E no final das contas o que resta à paciência é se embrenhar pelos labirintos do Bairro Alto.

Agora são 3h13 e muita coisa acontece entre uma linha e outra, mas somente o que pode ser ilustrado pela infinitude do vazio vale a pena entender. Estou cá a mirar el fluir do Tejo con ganas de stay here, pois.