segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Diário de Lisboa . Corpo lisboeta

Começo a constituir corpo lisboeta.
Hoje ganhei boca e pernas.

Boca a abrigar a cidade, a língua revolvendo a cidade dentro da boca, o estrogonofe na boca, a boca a comunicar outras bocas, bocalcântara no comboio, a boca a brincar com a língua, a língua na língua, o português... o português e o português. Boquiaberto, boquiabrindo-nos, desatando-nos.
Um trem na bocascais, o cais na bocascais, uma praia na bocascais, albatrozes e gaivotas na bocascais, um velho barco na bocascais, duas cervejas na bocascais. Cascais do sol tão longe da vista, caindo invisível e uma fome de por-do-sol na bocascais. Boca engolindo toda Cascais de uma vez.

Um barco desatracado na língua...
Irish Pub fixe. Hard Rock Cafe. Ouço malta de xungas e mitras. O fado na Rua da Saudade. Os azulejos na esquina deste momento.

Pernas por 26,90 euros, a andar por trilhos, rodas, estradas, cobrir toda Lisboa e só ela. Via Carris, por autocarros, comboios e elétricos. Dando passos maiores que as pernas por 4,10 euros, o preço do tropeço na fronteira do Navegante, desbravando o bravio do cais de Pirenópolis lusitano, nas cores, nas casas, no simples da luz do entardecer.
Nada de Pirenópolis na areia das pernas, felizes por existirem e, no fim, não pertencerem à Lisboa, mas a mim, batendo perna em Cascais, aberta ao Atlântico imenso.
Caminhando pelas costas atlânticas, ou seriam caras atlânticas? Os olhos ainda parecem olhar lá da costa do Farol de Santa Marta, onde fui feliz no mar um dia inteiro, com medo de tubarões e fascínio pelas ondas no golfinho.
Por 30 euros troco as pernas de fora-da-lei por duas de vale-transporte para Cascais e além, até que se apresente outra fronteira às pernas que são só minhas,as que fogem da lei e me levam de cúmplice e refém.

As pernas e boca voltam à Belém, ao restaurante de sempre, por 5 euros, mas não por 5 euros; apenas uma sopa hoje, por 90 centimos. Se recolhem na masmorrinha com Mariza e Amália Ribeiro, tentando somar ouvidos ao organismo do intercâmbio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário