quinta-feira, 12 de abril de 2012

Diário de Lisboa . Barcelona . Gotic Rain

A chuva chegou. Caiu sobre a minha Barcelona dos sonhos, trazendo uma amiga e uma tempestade, derretendo a maquiagem da cidade tão gentil.

Such a prik!

Uma nuvem carregada de insetos a diluir a luz do sol. Insetos pingando pouco a pouco, molhando as paredes com minúsculos pontos preto a caminharem, molhando o travesseiro, caminhando pelos lençóis, pela roupa, escorrendo pela pele. Uma chuva sorrateira na penumbra da noite, um chuvisco silencioso no beco do sono, uma praga a obscurecer os dias dos meus sonhos egípcios, crescendo gradualmente no intervalo de dois dias até desembocar na tempestade.
Milhões de insetos a picarem-me a pele, entrarem pelos ouvidos e narinas, abrirem caminho sob as pálpebras e entre os lábios, um rio ou uma enxurrada de pontinhos pretos a inocular o veneno das boquinhas asquerosas na corrente sanguínea da minha satisfação, debatendo-se sob o efeito cancerígeno para não sucumbir.

What a prik!

Abri o guarda-chuva e digitei algumas palavras, cliquei em "enviar"... novamente o sol na Barcelona alaranjada de sorrisos, rostos, Gaudis, gentilezas, corpos, velocidades, belezas, ruelas, canções, bardéns e picassos, castelhanos e paellas.
Uma noite mais no Bosc de les Fades e algum encantamento saiu errado, algum item das duas jarras de poção que foi trocado e trouxe de volta a chuva. Um oceano a despencar do céu de uma vez só, acendendo luzes e falando alto, pingos de inglês gelados e ácidos, poluídos. Uma tempestade a revirar colchões e remover camas inteiras do chão, a desaparecer com os lençõis. Um dilúvio a escorrer por baixo das portas e através das janelas até inundar os quartos.

Such a prik!

A ilha da minha cama encurralada numa enchente, até ver submersa e afogada toda a fantasia, até ver finalmente afogada a mochila e, com ela, a satisfação, finalmente vencida pelo veneno mortal dos insetos nojentos que chovem pelo mundo inteiro, fertilizando o solo da babaquice e fazendo crescerem fortes e saudáveis os maiores babacas que as descargas já viram.

What a prik!

.....................................
Um boi a olhar para nada, a pensar em nada, babando levemente, narinas úmidas, orelhas pendendo e balançando ao ritmo ruminante, os olhos opacos, o tronco pesado e estorvante, o tronco compacto e quadrado, as patas plantadas no chão, imóveis, entediadas, os olhos vazios, o rabo inútil a rebater umas moscas, acostumado.
Uma lâmina a acariciar a nuca, a adentrar a carne, partir tendões e músculos, quebrar a coluna, cortar a traqueia, os olhos, os olhos nublados, o pelo branco, o pelo vermelho a pingar, a cabeça toda a pender do resto do corpo, pendurada e balançante, a lâmina a desfazer o último ligamento e artéria de mugido. Até finalmente para de ruminar. Olhos mortos.
...............
É a isso que chamam Serenidade Gótica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário