terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Admirou-se-se

Cumadre Lourdes,


Estava botando a roupa no varal quando escutei.
Meu coração deu um salto que foi bater nos calcanhar de Deus.
Que barulho horrível, meu Senhor Jesus. De lembrar me arrepio!
Chega deixei a ceroula do Jó cair na terra solta!
Quando ele soube, não quis saber de explicação, não faltou em me arrancar dois dente aqui de trás e um punhado de cabelo dessa minha nuca abobalhada.
Mas, Pai Eterno, que som do inferno era aquele?
De susto, por pouco não dexei cair também a vergonha com a ceroula...daí é que o Jó me corrigia com o porrete de matar peixe grande. Cruzes! Mas a vergonha, a cumadre sabe, é uma trouxa que eu não deixo desequilibrar.
Fiquei desalentada, larguei os grampo no chão e catei a ceroula tremendo e chorando. Um pouco pelo berro, um outro pouco pelo Jó.
Saí correndo pro quintal, tropecei na Zuleica, que está de pintinho novo, arrebentei a chinela benta e já tinha perdido não sei onde o lenço da cabeça...Cumadre...quando cheguei lá, não vi minha cria distribuindo paulada num bicho como quem balança folheto de missa no aleluia?! O pobre do animal já estava morto, cumadre, a criança já estava que era só sangue e tripa de bicho morto por tudo que era canto do corpo.
Botei no banho, desci chinelada e fui enterrar o pau e o bichano perto da mangueira.
Falei pra quem perguntou que ele atirou o pau no gato, sim, mas que o gato não morreu... só berrou e já saiu na carreira pro meio dos mato da padaria. Mas, cumadre, pelo Sagrado Coração do Senhor Misericordioso...segredo nosso! Só estou te contando porque você morreu mês passado naquele escorregão na ribanceira.
Mande lembranças pra Tonha e Buga.
Saudosa,
Dona Chica.

Um comentário:

  1. "não vi minha cria distribuindo paulada num bicho como quem balança folheto de missa no aleluia?!"
    essa é a melhor parte.
    a violência satírica e um texto beirando um metafísico mórbido.
    adorei.

    ResponderExcluir