sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

{O porquê do gostar} Dias de Sol

O que em mim se fecha em dias de chuva é o que se abre em dias de sol. São fendas na pele, mas não bem fendas, janelas! Milhares de janelinhas de vidros empoeirados a frente de cortinas muito escuras. Através delas, se vê como que por uma impressão de relance as cortinas se movendo disfarçadamente; aqui e ali, pequenas estrelas pela pele, entre os pelos, entre os suores, entre as rugas, todo o tempo, pequenos olhinhos anônimos espiam o mundo fora, camuflados na escuridão de dentro, verificando que tempo que faz.
Se faz sol no mundo fora, abruptamente os olhinhos se apagam e se faz um silêncio universal... Então, crescendo como uma sirene a aproximar-se, dentro das janelas uma agitação vai barulhando, e alguma grande comoção acontece e tudo dentro se agita, se bagunça e se organiza, até que todas as cortinas são arrancadas e todas as milhares de janelinhas são abertas violentamente, como um fôlego.
Por todo meu corpo, as janelas abertas.
Em todas as janelas, seu pequeno morador respirando fundo.
Por todo meu corpo, as janelas abertas, como um edifício em que todos os moradores resolveram deixar o sol entrar.
Em todas as janelas, seu pequeno morador respirando fundo enquanto o calor e a luz entram saqueando todos os fungos e assassinando todo o mofo.
Cada pequeno morador fecha seus olhinhos e sente uma paz quente. Se atira janela afora.
Milhares de pequenas mortes se jogam no vazio e, de repente, ao redor do edifício, não há mais vazio. Por dentro dele, tudo está iluminado e aquecido, corre um vento preguiçoso que brinca e se demora em cada maçaneta ainda por girar.
Atingindo o chão, cada pequeno morador explode, se despedaçando em estilhaços de samba, em fumaça de churrasco, vapor de piscina, cheiro de protetor solar e pedaços de cerveja gelada. Um campo imenso como o oceano cresce e se abre instantaneamente ao redor do edifício, imensas flores amarelas a olharem para o sol, um imenso tapete amarelo a olhar para o sol.
E, aí, é o edifício quem olha para fora e vê a própria sombra.

São corpos abertos. São chaves de abrir corpos. É feira livre e é carnaval de rua. São as ondas do mar. É uma larga estrada vazia no começo de uma viagem. É a solidão completa, aquela que não precisa de nada, não, obrigado. É a mais intensa parceria, é alegria. São óculos escuros e roupas molhadas. É mesa de bar que ri. São buzinas e batidas de carro, é xingamento e vai tomar no cu. São pessoas oleosas. São planos e sal. São cinco horas da tarde ou onze horas da manhã. É uma bela foto e um péssimo beijo. É sem camisa, é sem cueca, é de chinelo. É reflexo no vidro. É som ligado. É caminho, é percurso, é esperar querendo. É areia no vento. É sede, é muita sede, e sede é bom!

2 comentários:

  1. nossa, experimenta ler ouvindo Noite dos Mascarados, assim q vc fala do samba! é uma coisa incrível.

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