quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Minha Puta Velha (texto para teatro)

Eu conheci uma pessoa nova hoje!
Ela ficou me contando uma história muito interessante... Devia ser muito interessante porque ninguém fala sem parar por mais de meia hora se não for pra ser interessante! É... era interessante.
Um conhecido passou e a pessoa se virou para cumprimentá-lo...

...e eu aproveitei a distração para descansar meu sorriso.


Foi aí, nesse momento, que eu lembrei da minha velha puta.

Ela está sempre que eu uso esse sorriso cansado, prostituído.
Ela não é mais do que uma lembrança triste da puta que deveria ter sido um dia. Meio corcunda e manca, ela usa um longo vestido de barras rasgadas. Sempre com duas gotinhas de um antigo perfume que a faz cheirar enjoativamente por quilômetros.

E ela se sente tão sedutora...


A puta velha faz programa na esquina do meu sorriso, aonde só vão vagabundos e esquecidos. E o seu anúncio pode ser lido na primeira página de qualquer desclassificado

mas ninguém lê essa seção...

Quem a encontra, o faz por acaso, assim, de passagem.
Mas ela não se importa, ela só deseja um pouco de companhia por mais uma noite... seus clientes são tudo que tem e ela pode cobrar mais barato só pra que fiquem mais um pouco.


Fica!
Eu não te cobro nada hoje. Espera...
Diz que se importa...
Me conta que eu também sou especial...
...pede pra eu ficar...
Pede...
DIZ QUE SE IMPORTA!
...
Desculpa.
...
Quer que eu vá embora?
...
Sim?!
...
...
...
...eu vou ficar só mais um pouquinho...


Há dias em que a artrose ou a gripe atacam a minha velha puta e a impedem de trabalhar.
Ela sofre, calada, trancada em um quartinho escuro e sujo, improvisado nos fundos da minha alma. E quem passa pela esquina e não a vê...

...não sente falta, nem percebe nem olha duas vezes.


Quando melhora, ela passa três gotinhas, remenda um pouco o vestido e arruma melhor os cabelos. Aquela esquina não funciona sem ela e seus clientes devem estar ansiosos.


Ela chega lá e, depois de duas horas, senta naquele seu lugarzinho no meio-fio.
Lá...
...na forjada esquina do meu sorriso.

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